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Artistas e pesquisadores que trazem em seu trabalho criativo o diálogo com nossas tradições populares, viajam pelo Acervo Maracá selecionando e comentando registros especiais por sua beleza, raridade ou representatividade, convidando o público a uma escuta afetiva e atenta. Os convidados dessa primeira edição são os artistas Juçara Marçal, Siba e Renata Mattar, o pesquisador Rafael Galante e Renata Amaral, criadora do acervo.

SELEÇÃO

SIBA

"Me perdi várias vezes no Acervo Maracá.

Um Brasil enorme, percorrido através das escolhas afetivas de uma viajante com fome de se reconhecer nas belezas inventadas por um outro que também é ela mesma, depois do encontro.

Poderia fazer mil escolhas e também nunca parar de viajar através dos sons que vem de um passado não tão distante, mas preferi construir um caminho que também de algum modo refletisse minha história pessoal, cheia de epifanias do encontro com o fabuloso coletivo que salta de cada registro do acervo.

Começo minha viagem recordando um momento dos mais mágicos que vivi, ao passar uma noite em Cururupu MA rodeado por senhores cantantes que tocavam um pandeiro do modo mais inesperado, com as costas das mãos. Sigo ainda um tanto por terras maranhenses que tanto me marcaram, passando pelo reconhecimento de tantos elementos em comum com o Maracatu de Baque Solto de minha terra, no Boi de Zabumba, tão diferente e parecido a meus olhos de então.

No Boi de Ribamar, a energia de multidão e a mágica da suspensão de todos no ar, com o poder da voz de João Chiador, seu poeta sacramentado. Na casa Fanti Ashanti, a beleza melódica e imaginativa do Baião de Princesas, experiência que pra mim foi intermediada pelo belo encontro desta casa tradicional com o grupo A Barca, contemporâneos de estradas e fome de Brasil.

No Rio Grande do Norte, uma variante do Coco de Umbigada, o Zambê, pra que nunca esqueçamos que a diáspora africana é um dos elos mais fortes que nos unem. De Alagoas, Mestra Virgínia se encaixa pra não nos deixar esquecer da importância do Coco na formação da música popular brasileira, desde um tempo que seu nome se misturava a samba e pagode, uma história ainda bem mal contada até hoje.
A viagem vai chegando mais perto de territórios mais íntimos para mim e a porta de entrada é um Toque de Candomblé na Casa de Xambá, quilombo urbano em Olinda, PE, de grande importância e potência criativa, cujas gerações mais recentes eu vi crescer ao longo de inúmeras visitas. Na rua, terreiro se transforma em Maracatu nessas terras e o Estrela Brilhante de Igarassu tem a batida mais especial em meus critérios mais que subjetivos.

Sobre Biu Roque seriam necessárias mais páginas do que sou capaz de escrever, amigo de uma vida, companheiro de viagens distantes, voz que fazia a vida ter sentido imediato… Na Estrela de Ouro de Aliança um amigo seu de Juventude, Zé Duda, representa o Maracatu de Baque Solto, espaço de sociabilidade central em nossas vidas e para todo o povo da Mata Norte Pernambucana. Em São Paulo, a presença Nordestina possibilita encontros como este entre Mocinha de Passar PE e João Cabeleira de Belo Jardim PE, ambos importantes repentistas profissionais.

O salto final nos leva para a brincadeira da Burrinha no Benin, lembrança de que nossa conexão com a África se deu através da escravização de pessoas, passado que não pode ser esquecido mas precisa ser urgentemente superado. Quem atravessa o país conduzido pelas Culturas Populares sabe que muitas respostas para isso estão formuladas ali."