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GêneroIndígena
LocalMaranhão, Pará, Tocantins

SOBRE

Timbira é uma denominação clássica utilizada por cronistas (e poetas) para designar um conjunto de povos que dominaram no passado toda a imensa área dos cerrados do interior do Maranhão – e onde seus sete mil remanescentes ainda habitam, em uma escala territorial bem inferior, é verdade. Alguns destes povos, como os Krahô e os Apinajé, atravessaram o rio Tocantins no início do século XIX, acossados por criadores de gado, e expandiram as fronteiras do “país Timbira” para além daquele limite natural, ganhando terrenos aos seus parentes A’wen (Xerente) e Kayapó. Outros resistiram nos seus lugares de origem no interior maranhense, como os Canela (Xàkamekrá, Apãniekrá e Ramkokamekrá) do interflúvio Corda/Grajaú e os Krĩkatí, Pykopjê e Kukojkamekrá do alto Pindaré e afluentes.

Apesar de perdas territorial e populacional enormes, continuam fazendo jus às descrições de Gonçalves Dias quanto a sua resistência, dignidade e altivez que décadas e décadas de preconceitos e políticas colonialistas não foram ainda capazes de dobrar e submeter. Suas aldeias continuam obedecendo ao padrão circular característico; sua língua continua viva e a confiança nos seus curadores se mantém intacta – e, logo, sua visão de mundo e a relação com os seres que povoam esta terra. E continuam praticando seus rituais, ou melhor, seus cantos e danças ou como dizem suas “festas” (amjëkĩn = “alegrar-se”).

E tudo que implica mudança de estado nestas sociedades é, por assim dizer, festejado: nascimentos, mortes, mudanças das estações do ano, a puberdade masculina, o primeiro milho, a primeira batata-doce, o fim dos resguardos por doença, a passagem das dignidades rituais de uma pessoa para outra. Em qualquer momento do ano uma aldeia Timbira estará envolvida com a realização (preparação ou finalização) de várias festas. E todas elas têm seus cantos específicos – e por isso os cantadores (isto é, aquele que conhece todos os cantos de cada fase dos rituais) é uma personagem fundamental da vida social Timbira: sem eles, dizem estes índios, “a vida da aldeia fica sem movimento”.

Como verão neste disco, a música Timbira é sempre cantada. Para estes povos, “música” é o som que se manifesta pela palavra soprada através garganta: o hõcrepöj (// ou //cre = garganta; /pöj/ = aparecer). O curioso – será? – é que a raiz das palavras Timbira para “saber” e “conhecer” é também /cre/. Mas essa aparente anomalia (um saber que vem da garganta?) torna-se coerente quando nos inteiramos sobre o que cantam, ou o quê diz estes cantos.

As palavras da música Timbira “cantam” (descrevem) o mundo, ou melhor, todas as coisas belas e inusitadas dos seres que povoam esta terra e que são dignas de serem eternizadas, na única maneira humana em que o seriam: na música. Já vemos que as palavras cantadas não são palavras comuns, porque o que descrevem são os detalhes mais diferenciais dos seres, aquelas diferenças mais notáveis ou os comportamentos mais inusitados de todos os seres e que somente uma observação sofisticada e sistemática pode reter – para elogiar, ressaltar e eternizar na música. Tão longe da nossa música (pura abstração de sonoridades) e tão perto ao mesmo tempo, posto que ambos os sistemas musicais utilizam-se da mesma base perceptiva: organizar e ressaltar as diferenças.

Tudo que existe no universo “natural” Timbira tem seu canto: das pequenas bolhinhas d’água formadas pela rãzinha amarela quando respira, à luz diáfana que emerge dos aerólitos; das cores inusitadas de determinadas joaninhas à forma delicada do menor dos arbustos e florzinhas do cerrado; da elegância do caminhar da onça à graça do redemoinho no cocoruto de um pequeno marsupial, tudo que é diferencial e inusitado dos e nos seres é cantado. Este é o universo dos cantos que vocês ouvirão.

Por isso que os Timbira admiram (e prestigiam) os seus “cantadores” (ëncrercatë: aquele que “domina” = /catë/ os “cantos” = /ëncrer/). São homens que se preparam desde jovenzinhos para armazenar em sua cabeça todo esse “mundo”, que é posto em “existência”, efetiva e literalmente, quando cantado. As crianças Timbira quando “ouvem” este mundo – e todo o tempo o ouvem – estão ao mesmo tempo apreendendo os detalhes diferenciais dos seres que o habitam e aprendendo sobre o modo de existir de cada ser neste mundo, inclusive elas mesmas.

Mas se é da garganta-cabeça do cantador que brota este mundo, é na modulação muito mais rica da garganta-repetição das mulheres que estes cantos ganham toda sua riqueza musical. Pois é somente a mulher que é chamada de hõcrepöj, se confundindo então com a própria “música”, ou melhor, com a musicalidade Timbira.

 

Fonte:

– Azanha, Gilberto

 

FOTOS

Timbiras

 

ÁUDIOS

2003
2004

 

VÍDEOS

Timbiras – Oficina – 30/novembro/2003

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